segunda-feira, 7 de maio de 2018

Famosa carta em que o fotógrafo chileno Sergio Larraín (1931-2012) ensina ao sobrinho os segredos de sua arte:
“ A primeira coisa é ter uma maquina que vc goste, porque se trata de sentir-se bem com ela, uma câmera que seja agradável para as sua mãos, pois a ferramenta é fundamental para se fazer bem um trabalho, e que seja o mínimo indispensável e nada mais. Em segundo lugar, tenha uma impressora ao seu gosto, a mais bacana e simples possível. Depois é partir para a aventura, como um veleiro, soltar as velas, todos os dias vá para um lugar e outro, caminhe pelas ruas, vagueie e vagueie por lugares desconhecidos, quando estiver cansado sente-se à sombra de uma árvore, coma uma fruta ou pão, tome um trem, vá para onde lhe der na cabeça, e olhe, observe, desenhe também.
Saia do mundo conhecido, entre naquele que nunca viu, deixe-se levar pelo gosto, vá muito de um lugar ao outro, aonde lhe der na teia. Aos poucos vc vai encontrando as coisas, e vão te chegando imagens, como aparições, fotografe-as. De volta para casa, revele (edite), faça copias, observe o que você pescou, todos os peixes, pendure com fita adesiva na parede, imprima em tamanho de cartão postal e olhe para elas.
Depois, comece a brincar de recortar (cropar), experimente cortes e enquadramentos, vá aprendendo composição, geometria, reenquadre com perfeição e imprima o que vc reenquadrou, coloque novamente e deixe na parede. Vai olhando e observando. Quando tiver certeza de que uma foto é ruim, mande imediatamente para a lata do lixo. A foto que for boa coloque em um lugar mais alto na parede, e no final, guarde somente as boas, nada mais (guardar o medíocre faz você estancar no medíocre). Fique apenas o que for bom, o que é “top”, jogue o resto fora, porque a gente carrega na mente tudo o que conserva. Depois faça ginástica, distraia-se com outras coisas e não se preocupe mais.
Comece a olhar o trabalho de outros fotógrafos, procure tudo o que é bom em livros, revistas, etc… Guarde o melhor, se puder recortar recorte, e vá colando na parede ao lado de seu trabalho. Se não puder recortar, deixe o livro ou revista aberto na página com a foto boa, em exposição. Deixe por semanas, meses, enquanto aquela foto for significativa para vc, a gente demora muito para enxergar, mas pouco a pouco, o segredo vai se revelando, e você vai vendo o que é bom, a profundidade de cada coisa.
Continue vivendo sossegado, desenhe um pouco, saia para passear e nunca se force sair para fotografar, para não perder a poesia, a vida que existe nisso adoece, é como forçar o amor ou a amizade, não se pode. Quando estiver bem, faça outra viagem, saia para passear, vaguear. Vai para a beira de um rio, andar cavalo, ou até o alto das montanhas. Alguns lugares são sempre maravilhosos, perca-se na magia, passe alguns dias dando voltas por morros e ruas, quando chegar a noite, durma em algum lugar, em num saco de dormir, envolva-se com aquela realidade, concentrado, nada convencional te distrai. Deixe-se levar por passos lentos, devagarzinho, como se encontrasse a cura no prazer de observar, cantarolando, e o que for aparecendo vai fotografando, agora com mais cuidado, você já aprendeu a compor e enquadrar, já faz isso com a própria câmera, e assim continue, enchendo o saco de peixes e volte para casa.
Aprenda sobre foco, diafragma, primeiro plano, saturação, velocidades e etc…, aprenda a jogar com as possibilidades de sua câmera, e junte a isso poesia (a sua e a dos outros), pegue tudo o que encontrar de bom dos outros e faça uma coleção de coisas ótimas, um resumo em uma pasta. Siga aquilo que é o seu gosto e mais nada, acredite apenas no seu gosto. Você é a vida, e a vida é aquilo que você escolhe. O que não te agrada, não se importe, não lhe serve. Você é o único critério, mas veja as coisas de todo mundo.
Vá aprendendo, e quando tiver algumas fotos realmente boas, amplie e faça uma pequena exposição, ou um pequeno livro e mande encadernar, e assim vá estabelecendo uma noção, ao mostrá-las você se dá conta do que são, ao vê-las diante dos demais, é aí que você as sente. Fazer uma exposição é dar algo, como dar de comer, é bom para os demais mostrar-lhes algo que foi feito com trabalho e gosto. Não é se exibir, é que faz bem e é saudável para todos, e para você é bom, porque vai te testando.
Bom, com isso tem com o que começar, é muita vagabundagem, ficar sentado debaixo de uma árvore, num lugar qualquer. É um andar sozinho pelo universo. Um novo jeito de olhar, o mundo convencional coloca um muro diante de você. É preciso sair de trás dele durante o período de fotografar.
Tchau.
Depois te escrevo mais. Encontrar o que a gente ama de verdade é a chave de tudo.
Se encontrar alguém com quem vagabundear, que goste disso tanto como você, não hesite, é bom também.”

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