segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Cozinha nas trilhas: vez dos fogareiros e utensílios




Modelo XGK EX - quinta geração da fabricante estadunidense 
MSA (Mountain Safety Research): 
Fogareiro robusto para condições extremas,
desejo de muitos montanhistas, capaz de ferver um litro d'água
em menos de 3 minutos... (Fonte: MSR)
Não tem escapatória, se formos para uma aventura com pernoite é importante que nos alimentemos muito bem. E isto requer uma janta; ou um almoço, embora almoçar durante as trilhas não seja algo comum! E já foi o tempo em que o improviso dominava as trilhas; levando-nos a fazer fogueiras e fogões arcaicos; ou utilizar latas para cozinhar os alimentos. Não que o improviso seja um mal em si; ocorre que hoje em dia há equipamentos adequados que facilitam as nossas vidas. Se empregados corretamente possibilitarão que nos dediquem mais à atividade fim, que é trilhar, trilhar, trilhar... Mas qual tipo ou modelo desses equipamentos são os mais indicados? Nesse post procuraremos responder a isto de modo simples e direto!


Fogareiros

Existem dois tipos básicos:

1 ► Fogareiros a combustível líquido: 
Utilizam combustíveis diversos, como gasolina, benzina, querosene e em alguns modelos pode-se usar até diesel. As vantagens principais são a constância e força da chama, que possibilita cozinhar em poucos minutos; além da durabilidade do equipamento. Como desvantagem está na necessidade do transporte do combustível, que não possui bom cheiro e normalmente provocam sujeiras e resíduos; além do manuseio do equipamento.

Esses fogareiros podem ser utilizados em praticamente qualquer lugar do mundo; quente ou frio; com ou sem vento. Entretanto, em altas altitudes acima da faixa dos 6.000m seu desempenho pode ser reduzido, pois há pouco oxigênio na atmosfera, prejudicando a chama.

Modelo Pocket Rocket da MSR, a gás
Fonte: MSR
2 ► Fogareiros a gás:
Apresentados em vários modelos, utilizam o propano e butano já envazados em pequenos botijões. As vantagens principais são a facilidade no manuseio, pois o acendimento é rápido e/ou automático; além de não provocar grandes sujeiras em equipamentos. Como desvantagem está na dificuldade de se encontrar o combustível a gás em lugares mais distantes; além da fragilidade da chama.

Esses fogareiros oferecem melhor desempenho em ambientes com temperaturas mais agradáveis e em locais com pouco vento, como o Brasil. Apesar de funcionar relativamente bem em altas altitudes, temperaturas extremas podem esfriar a mistura combustível e o vento pode até apagar a chama, pois esta não é vigorosa como a dos fogareiros a combustível líquido.


Então, qual modelo comprar?

Se o objetivo do aventureiro é trilhar pelo Brasil ou regiões similares, um fogareiro a gás é o ideal. São mais leves, compactos e práticos. Mas não será necessário vender um rim e adquirir um robusto fogareiro a gás; ou buscar marcas de "grife"! Podemos inclusive usar esses modelos "genéricos", praticamente um "pocket" que utilizam cartuchos de gás rosqueáveis; e que são facilmente encontrados no mercado, com valores bastante acessíveis.

Se o objetivo é trilhar por lugares mais exigentes, como a Patagônia, lugar de muito vento, não podemos abrir mão do fogareiro a combustível líquido; pois será mais fácil encontrar combustível por lá. Veja bem, o querosene pode ser encontrado em praticamente qualquer lugar do mundo!

Agora, se você for pra Alta Montanha, não se preocupe com isto! Certamente o chefe da sua expedição terá os dois tipos, certamente das marcas e modelos mais robustos!!! Além disso, terá panelas com radiadores que potencializam as calorias; ou pelo menos saberá fabricar/improvisar algo similar... Alta Montanha normalmente não é lugar para atividades solo, a não ser que sejas especialista no ramo... 


Utensílios & Vasilhames

Nesse quesito vale a criatividade do aventureiro. Muito embora o mercado ofereça utensílios fabricados por diversos materiais, na prática isto fará muito pouca diferença. Só vale uma regra: só carregar panelas, talheres, pratos e copos que sejam indispensáveis. Devemos carregar o estritamente necessário e não uma cozinha gourmet. Se a panela é de alumínio; anti-aderente ou de titânio; se os talheres são flexíveis, levíssimos e "projetados pela NASA"; cabe ao usuário avaliar o custo benefício desses equipamentos.

Sugerimos carregar uma ou duas panelas de tamanho médio (1 litro mais ou menos); uma colher; uma faca pequena ou canivete; uma colher de chá de cabo longo e um copo de plástico de aproximadamente 200 ml. Levar também um prato, que deve ser de plástico. Se uma das panelas tiver tampa, prato é dispensável! E providenciar um pegador de panelas, pra não queimar a mão. Pronto, certamente não precisaremos de mais que isto. Nada de panela de pressão; caçarolas imensas; cafeteiras ou algo similar! Além disso, atente-se para o peso: quanto mais leve for o vasilhame, melhor!

Para transportar alimentos, nada de vasilhame. Utilize sacos plásticos ou pequenas embalagens reutilizáveis. Para limpar vasilhames utilize pequenos panos tipo perfex. Se precisar usar sabão, prefira sabão de coco: é leve e durável!


Considerações Finais

► Fique atento ao adquirir um fogareiro a gás. Observe e prefira os rosqueáveis, pois há alguns modelos que se conectam ao botijão através de furos; que não permitem reutilizar o gás ou desenroscar o fogareiro. Isto pode provocar perda de combustível, pois a embalagem não é reutilizável. 

► Cuidado ao transportar combustíveis líquidos. Requer cuidados especiais; inclusive evite transportá-los em embalagens plásticas comuns, pois alguns combustíveis corroem ou derretem plástico, se misturando com o material derretido; e com isso podem danificar o fogareiro. Somente transporte em garrafa plástica se tiver certeza de que o combustível não provocará a sua corrosão! Nesses casos, para evitar dor de cabeça, prefira as embalagens metálicas específicas para esta função. Inclusive algumas são rosqueáveis e adaptam à mangueira do fogareiro. 

► Fogareiro a combustível líquido requer limpezas periódicas. Mas somente faça a limpeza se conhecer o equipamento, do contrário poderá danificá-lo. Siga as instruções de cada fabricante. 

► Alguns combustíveis líquidos possuem elevada carga de chumbo. Na maioria das vezes isto é prejudicial à vida útil do fogareiro. Se usar gasolina, prefira a gasolina branca. 

► Nem abordamos por aqui a velha e conhecida espiriteira. Ainda amada por muitos montanhistas, trata-se de um fogareiro primitivo, que funciona com álcool ou outro combustível, similar àquelas gambiarras que utilizamos para esquentar marmita em lugares sem fogão. A razão da não abordagem é porque manipular uma espiriteira pode se tornar um procedimento perigoso. Álcool é um dos combustíveis que percentualmente mais provocam queimaduras em usuários. Além disso, a chama da espiriteira é fraca, inconstante e apaga-se com facilidade. Então, sugerimos que se possível esqueça esse modelo de fogareiro!

Alimentação: o que levar para as trilhas


O que comeremos???
A alimentação em trilhas é um aspecto que preocupa a muitos, especialmente os iniciantes na prática de hiking ou trekking. E é uma preocupação pertinente, pois naturalmente ninguém quer passar fome enquanto se caminha; em especial se estiver em ambientes mais distantes e isolados. Além disso, somos resultados do que ingerimos, já diz a velha máxima! Entretanto, a preocupação e dúvida sobre o que levar muitas vezes faz com que o caminhante se abasteça de alimentos nem sempre adequados a uma aventura; ou ainda, exagere na sua quantidade; comprometendo seriamente o êxito de uma aventura!


O pulo do gato para minimizar possíveis problemas é não fugir abruptamente do seu hábito alimentar cotidiano, que suponho, seja saudável. Normalmente, nosso organismo já é adaptado aos alimentos que costumeiramente ingerimos, de modo que, mantendo os hábitos, dificilmente teremos complicações. Igualmente não se preocupe em abarrotar sua mochila com grandes quantidades de alimentos. Quando caminhamos, normalmente comemos bem menos do que quando estamos estáticos nos sofás de nossas casas, onde insistimos em beliscar alimentos a todo momento; e na maioria das vezes desnecessariamente! Também não fique “inventando moda”, ao contrário, prefira alimentação básica, mais simples e acessível!

Ciente de não fugir do costume alimentar, não inventar moda com alimentos e não exagerar na quantidade; há três regras básicas que regem as escolhas:

1► evitar levar alimentos perecíveis: Os alimentos perecíveis tendem a se estragar em poucas horas; e a ingestão de alimentos deteriorados é algo sério com consequências imprevisíveis;
2► evitar alimentos difíceis de serem preparados: Nem sempre teremos ânimo para ficar horas preparando ingredientes e cozinhando após uma longa caminhada;
3► evitar alimentos com grande peso/volume: Em trilhas, andar leve deve ser um objetivo a ser perseguido. Andar leve deve ser uma "religião".


O que levar para as trilhas bate e volta:

Dê preferência para um simples lanche. Prefira pães, biscoitos, barras de cereais, sementes em geral. Leve algum doce; mas jamais abuse deles; ou passe o dia apenas à base de doces. Se gostar, leve uma fruta dura, como goiaba, maçã, dentre outras; ao invés de levar sucos prontos. Mas não exagere na quantidade, pois são pesadas! Ah, leve água, claro! Se houver água pela trilha, não se esqueça de purificá-la antes da ingestão; a não ser, é claro, que seja proveniente de uma fonte segura.


O que levar para as trilhas com pernoite ou mais dias:

Você terá que dividir os alimentos em dois tipos: café da manhã/lanche (são sempre a mesma coisa) e para o jantar. Almoço? Bom, em trilhas normalmente não há almoço, pois isso demandaria muito tempo e não seria nada prático caminhar com o estômago repleto. Então, o que levar?

►► Para o café da manhã e lanches ao longo do dia:
As dicas são as mesmas para as trilhas bate e volta. Você deverá acrescentar café, capuccino, leite em pó, sucos em pó, o que achar melhor e gostar. Também se gostar, leve um pedaço de queijo curado, faz uma grande diferença! Como são vários itens para esses momentos, faça um cálculo e divida sua alimentação por dias que irá caminhar. Facilita bastante. Racionalize e não exagere! E jamais inicie uma caminhada sem tomar o seu café da manhã. Faça-o sem pressa, com carinho. O café da manhã será o responsável por lhe manter de pé e fornecer energia por longo período do dia. Lembre-se: na maioria das vezes não haverá almoço!

►► Para o Jantar:
Deve sempre ser caprichado. Prefira alimentos de rápido preparo e cozimento. Desde que surgiu o macarrão instantâneo ele se tornou o rei das trilhas. E com razão, afinal prepará-los é fácil e rápido. Mas você pode torná-lo mais atraente, incluindo alguns ingredientes extras, como bacon, legumes, queijo, passas e outros. Evite colocar todo o envelope de tempero no macarrão, pois normalmente contém muito sal; e dependendo da situação, isso elevará a ingestão de água e em certos circuitos com escassez de água, isto poderá lhe colocar em apuros. As mesmas regras valem para os outros tipos de macarrão, como o talharim ou espagueti, que são amplamente utilizados nas trilhas. Estes são ótimas opções, pois são de fácil preparação, saborosos e são grandes fontes energéticas. 

Além das massas, atualmente os supermercados oferecem ampla gama de alimentos semi-prontos, como seletas de legumes, carnes, feijoada etc. Se optar pela variação, prefira aqueles alimentos em embalagem tetrapak, pois são mais leves que aqueles em latas; além de produzir lixo mais fácil de ser transportado. Há também o arroz semi-preparado, os parbolizados, em embalagens pequenas, que são fáceis de serem preparados e são saborosos! Além das fontes de carboidratos, leve alguma gordura, como bacon e linguiça defumada ou calabresa: são de fácil conservação e melhoram o sabor de qualquer alimento!

Além dessas opções, há alguns anos surgiram os alimentos liofilizados. São saborosos para o paladar; nutritivos para o físico, baratos para o bolso e leves para os ombros. Além disso, basta mais algum ingrediente, como (novamente) linguiça defumada e bacon; ou outro, para se fazer uma refeição nutritiva e com excelente rendimento! Nessa gama dos liofilizados há uma série de combinados, que são mais caros, mas igualmente muito bons. Para prepará-los basta colocar água quente na própria embalagem, mexer, esperar alguns minutos e servir; ou mesmo prepará-los diretamente em panelas.


Lembretes:
 
►► Alguns nutricionistas afirmam que o queijo não seria recomendável nas trilhas porque é de difícil digestão. Bem, eu não seria radical quanto a isto. Sugiro que siga seus hábitos normais. Se você costumeiramente come queijo no café da manhã, certamente não será no dia que for fazer uma trilha que haverá problemas. 
►► Durante o dia de caminhada, o segredo é alimentar-se periodicamente de algum petisco a cada duas horas por exemplo. Comer sempre e em quantidades menores. Evite permanecer por 4 ou 5 horas sem se alimentar! 
►► Nunca inicie uma caminhada sem tomar o café da manhã. 
►► E não espere sentir sede para se hidratar. Sede é sinal de que seu corpo já está consumindo rapidamente sua reserva de água! 
►► A maçã realmente provoca fome, pois é adstringente. Então, se levar, deixe-a para comer na volta, ou na parte final da trilha, pois logo estará em casa. 
►► A banana é um ótimo alimento, mas de transporte mais complicado. Se optar por levá-la, procure protegê-la muito bem; mas saiba que em travessias, durará no máximo dois dias. 
►► Evite lanches que contenham molhos em suas composições, pois se deterioram rapidamente. 
►► Embale seus alimentos em sacos-estanque ou sacos plásticos. Assim ficarão protegidos em caso de chuvas. 
►► Se optar por levar algum alimento cuja embalagem seja de vidro, transfira o conteúdo para uma embalagem plástica. Isto evitará eventual quebra da embalagem e perda do alimento, além de diminuir o peso da bagagem. 
►►Não se esqueça de levar sal e açúcar para as trilhas, mesmo àquelas bate e volta. Além dos seus fins normais, costumam ser muito úteis, inclusive para fins medicinais, como um soro caseiro ou simplesmente para se hidratar! 


Evite as invencionices

Atualmente na internet encontramos facilmente uma série de elaboradas receitas de alimentação para as trilhas. As receitas dos "Chefs Trilheiros" são saborosas e nutritivas, não restam dúvidas e estão de parabéns. Quase sempre se justificam na máxima de que "no mato não se precisa comer mal"! Mas há um argumento de peso contrário a essas receitas: a praticidade. Ocorre que as maiorias das receitas gourmet irão aumentar consideravelmente a sua lista de ingredientes a serem transportados para a trilha. E como sabemos, nem sempre as condições das trilhas ou do aventureiro permitirão colocar em prática tais receitas. Então, sugiro esquecê-las; ou então primeiro praticá-las em ambientes mais amistosos. E lembre-se que ser prático não quer dizer alimentar-se inadequadamente!

Além das receitas dos "Chefs Trilheiros", sugiro também que esqueçam os pratos mais elaborados, como a bacalhoada, lasanhas e outros tantos. A não ser que você esteja caminhando em grupo e venha dividir com essas pessoas o transporte dos ingredientes, bem como a mão de obra e possuir um potente fogareiro. Estes pratos são deliciosos, entretanto não são práticos. O mesmo vale para churrascos. Nesse caso, além de obrigar você a transportar perecíveis, você terá que acender uma fogueira de carvão. E na natureza, fogueiras não são recomendáveis em hipótese alguma. É um risco desnecessário. Melhor deixá-lo para fazer em casa... 

E igualmente sugiro esquecer bebidas alcoólicas, especialmente se estiver realizando travessias. Além do complicador para transportá-las, o álcool pode provocar reações físicas indesejáveis; ou até mesmo acidentes, podendo atrapalhar o seu rendimento. Se não abrir mão de alguma bebida, tenha o cuidado de consumir com moderação! Mas o ideal seria deixá-las para ambientes estruturados ou mesmo sua casa!


Resumo

Para as trilhas, não se esqueça das regras básicas: (1) evitar levar alimentos perecíveis; (2) evitar alimentos difíceis de serem preparados; e (3) evitar alimentos com grande peso. Esqueça também as invencionices! Use sempre o bom senso, ele é um termômetro quanto à quantidade e tipos de alimentos que consumimos. Também nos impõe regras particulares, que sempre devem se submeter a regras coletivas e naturais. Seja criativo: a criatividade é um diferencial importante quando o assunto é alimentação! E não se esqueça de se hidratar sempre, antes, durante e após as trilhas. A água também é um alimento e sua falta pode comprometer a sua aventura. E por fim, traga o seu lixo de volta: jamais deixe restos de alimentos ou embalagens pelos lugares em que se aventurou...